Minha Missão de Tempo Integral: Alegrete, dezembro de 1985

Publicado em 1 de janeiro de 2007 e atualizado em 8 de abril de 2024

Eu, em frente à capela da ala onde trabalhei em Alegrete/RS
Em frente à capela da ala onde trabalhei em Alegrete

Fiquei em Rio Grande exatas duas semanas apenas. Estou gostando muito da nova área. Além de bonita, Alegrete trouxe alívio das dores e angústias passadas nas duas primeiras áreas. Eu tinha no coração um atormentador sentimento de culpa aos poucos apagado assim que pisei em Alegrete.

Distrito modelo é aquele no qual os missionários trabalham diretamente com seus líderes de zona. É o caso deste. É, por assim dizer, um “distrito treinador”, no qual os missionários aprendem a se tornar líderes.

Apesar de algumas ruas sem calçamento e poeirentas, Alegrete é uma cidade boa para o proselitismo. O povo tem bom coração, por isso não temos qualquer dificuldade em entrar em suas casas e falar do evangelho restaurado. Além disso, como disse, é uma cidade muito bonita. Suas belezas são como colírio para meus olhos.

Dizem que na missão se faz de tudo e se passa por tudo. No dia 17 houve conferência de zona, reunindo todos os trinta e quatro missionários da Zona de Alegrete para serem entrevistados pelo presidente e receberem treinamento e instrução. A cada quatro meses tomamos uma injeção de gama-globulina para reforçar nosso sistema imunológico. Aquela seria minha primeira. Mas meu organismo não estava preparado e o resultado foi que perdi os sentidos e desabei no chão. Mas o efeito colateral passou logo.

Como designação para um discurso surpresa na conferência, todos os missionários tiveram que estudar a seção 19 de Doutrina e Convênios. Cumprindo com a obrigação, orei com sincera fé e humildade, pedindo ao Senhor que me abrisse os olhos do entendimento para o tema escolhido, ajudando-me a captar a essência e a profundidade de Suas palavras dirigidas a Seu servo Martin Harris, um dos pioneiros da Igreja no início do Séc. XIX.

Analisando cada versículo em espírito de oração, senti no coração uma parte maior de Seu infinito e eterno amor, além do testemunho do Espírito quanto à divindade e importância do sangue expiatório do Salvador. Suas palavras a Martin Harris me levaram a concluir que Martin cometera pecados sérios e, por não emendar seus modos, recebeu ordem expressa de se arrepender deles. Com o duplo propósito de advertir Martin Harris e de esclarecer dúvidas doutrinárias, o Salvador explicou como aplica Seus castigos por amor de nós, “para que, arrependendo-se, não precisem sofrer” (v. 16). Como o mais meigo e amoroso dos pais, exorta-nos a aprender Dele e a ouvir Suas palavras para termos paz Nele (v. 23) e, como uma súplica, ordena que conversemos e nos abramos totalmente com nosso Pai Eterno, estejamos onde estivermos, fazendo o que for (v. 28), prometendo em troca bênçãos maiores e melhores do que o mais puro ouro, na forma de Seus Espírito (v. 38). Sabendo que nossos corações se alegrariam em conhecer tais promessas, pergunta-nos: “Eis que podes tu ler isto sem te alegrares e sem se encher de júbilo o teu coração?” (v. 39) São palavras que verdadeiramente me apaixonam, tocam e levam a conhecer melhor o coração do Salvador, o grande Jeová, o grande Eu Sou (29:1).

No decorrer da conferência, muitas instruções e desafios foram dados pelos assistentes do presidente como incentivo a cumprirmos as ousadas metas então estabelecidas. Senti um grande peso sobre os ombros. Quanto mais passavam as horas, mais desafios nos eram dados e mais peso sobre mim senti. Amedrontado com o tamanho do fardo a carregar, no fim da conferência prestei meu testemunho dizendo:

“Chego ao final desta conferência me sentindo como se esta capela tivesse desabado sobre mim. Sinto sobre os ombros o peso das responsabilidades caídas sobre nós. Mas sou um missionário novo, acho natural estar assustado e farei o que me foi requerido. Se me perguntarem porquê, direi como Adão: ‘não sei, exceto que o Senhor me mandou’. Creio que, se fizermos nossa parte, seremos dignos da confiança do Senhor. Tenho essa certeza porque sei que a Igreja é verdadeira e que o Livro de Mórmon é verdadeiro. Sei que tudo o que fazemos é para cumprir com os propósitos de Deus.”

Num dos dois discursos que proferiu, o presidente nos ensinou que a seção 35 de Doutrina e Convênios fala de nós, missionários. Citou vários versículos e comentou cada um deles, aconselhando-nos a estudar em casa a mesma seção. Uma frase de seu discurso me tocou profundamente:

“Se em sua missão não estiver acontecendo milagres é porque algo está errado.”


Meu novo companheiro e eu vínhamos nos dando muito bem (dentro de certos conformes), até quando, no dia 19, uma bomba explodiu entre nós. Mais lamentável que isso foi o motivo da explosão. Satanás nos mirou como alvo de uma flecha agudamente farpada e duplamente envenenada, mas em mim errou o alvo e acertou apenas meu companheiro. Ele queria que eu o acompanhasse na quebra de uma importante regra da missão. Antes de ser uma regra da missão, é um mandamento de Deus. Por minha recusa ao sórdido convite, fui duramente xingado e ofendido por ele. Após árdua luta contra o orgulho de um coração petrificado, consegui fazê-lo voltar para casa para conversarmos seriamente a respeito. Fizemos uma reunião de inventário para avaliar o acontecido, restabeler a verdade e reconhecer o erro, mas algo dentro de mim diz que meu ilustre companheiro representante do Senhor ainda não aprendeu a lição. Não gosto de pensar nas consequências da aceitação daquele convite diabólico, nem consigo entender como pôde meu companheiro ter sido capaz de fazer o que fez.


O dia de Natal começou mal, com meu companheiro arrumando mais confusão comigo. Embora eu tenha conseguido resolver o problema, não tenho mais esperanças de conseguir gostar dele como desejava.

Independentemente, aumentou em mim a saudade de casa. Uma súbita e profunda tristeza invadiu meu coração e lamentei não estar com meus pais. Meu lamento não era por estar na missão, e sim por não contar com o apoio deles. Minha tristeza foi tamanha que meus olhos encheram-se de lágrimas. Pela primeira vez na missão, me senti só. Não conseguia esconder de ninguém que estava triste por passar o Natal longe de casa. O problema nem era tanto a saudade em si, mas imaginar o desgosto estampado em seus rostos por terem estado sós em ocasião tão importante de suas vidas, aumentando ainda mais seu inconformismo e revolta pelo fato de eu estar onde estava. Não seria tão duro se minha família tivesse o consolo do Espírito e compreendesse que o que faço é de importância eterna, tanto em minha vida quanto na deles. Meu lamento foi tanto que, ao meio-dia, muitas lágrimas me corriam pela face. Com o olhar fixo na árvore de Natal da casa dos membros onde estávamos, a memória insistia em judiar de mim, trazendo à tona cenas dos maravilhosos natais passados. Aquele foi um dia comum, como qualquer outro. Não senti nada do espírito natalino, apenas tristeza e frustração. Eu não me queixava do trabalho que vim fazer, pois sei que é o trabalho do Senhor e sabia que passaria por tudo isso. Mas, naquele momento, eu não sabia o que pensar. Sei que fui comissionado desde a existência pré mortal para fazer este trabalho, mas seria mesmo necessário todo esse sofrimento? Tudo seria mais fácil se minha família tivesse aceitado o evangelho, como eu. Por que não aceitaram? Não há como não ver que aqui está a verdade. É só abrir os olhos!

Neste mês aconteceu também uma conferência de natal em Porto Alegre da qual participaram todos os missionários da Missão Brasil Porto Alegre. Reencontrei ex-companheiros de CTM, me diverti, me inspirei e me instruí. Houve também um divertido show de talentos, troca de presentes e um encerramento espiritual, com discursos e testemunhos.

Antes que o mês terminasse tivemos nosso único batismo. Por ser inteligente e muito interessado na Igreja, o rapaz que batizamos compensou a tristeza de termos tido apenas um batismo em todo o mês. Poderá ser um bom líder no futuro.

Leia o próximo artigo da sequência clicando no link do próximo artigo, abaixo de “Conteúdo relacionado”, mais abaixo.

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