Referente a agosto de 1998
31 de julho foi meu último dia naquele empreguinho de meia pataca. Minha saída representou um alívio para mim e um problema para meu ex-chefe, que agora ficou sem seu braço direito. Tamanha foi a perda que ele resolveu tirar uma semana de férias antes de minha saída, pois não sabia quando teria outra chance. Foi um trabalho bom, ainda que estressante pelo tipo de pessoa que ele é: exageradamente impetuosa.
Naquele mesmo dia Adriana e eu embarcamos para São Paulo. Fomos ao casamento de meu amigo-quase-irmão Zé. Adriana conheceu minha terra adorada e meu amigo adorado.
Foi nessa ocasião que percebi o valor de uma grande amizade. Gosto dele o suficiente para viajar para São Paulo apenas para prestigiar o acontecimento mais importante de sua vida. Fiz questão de estar junto dele e de presenciar as lágrimas escorrendo-lhe pelo rosto, tamanha era sua alegria. Fiquei muito, muito feliz por ele e confidenciei-lhe ao ouvido na hora dos cumprimentos que ele não havia chorado sozinho. Estava tão radiante de alegria que dava gosto de ver. Mesmo tendo sido tão breve, a viagem valeu cada centavo que custou. Tínhamos que voltar logo. Na segunda, dia 2, eu começaria meu novo trabalho para a DLA, empresa holandesa que “comprou meu passe”, como disse meu ex-chefe.
Embarquei para Utrecht, Holanda, três semanas depois. Vim fazer um trabalho praticamente inédito no mundo, já que nenhuma outra empresa presta o tipo de serviço prestado pela DLA. Além de manter atualizado o site da empresa na Internet e de incrementá-lo com interatividade, vou também aprender como funciona o software da empresa para poder iniciar o trabalho no Brasil no próximo ano, se tudo der certo.
A DLA não é uma grande corporação multinacional. É uma empresa pequena, de propriedade de Peter (inglês que reside aqui na Holanda) e de seu sócio, Frans (holandês que mora na Alemanha). Sei que não posso sonhar com promoções e carreira dentro da DLA caso continue pequena, mas o simples fato de estar aqui já é um grande progresso, tão grande como jamais havia sonhado ser possível um dia. Não como profissional, pelo menos.
O que vim fazer aqui é um trabalho de qualidade internacional. O simples constar de tal experiência em meu currículo por si só já se constitui num atrativo bom o bastante para ser o chamariz de novas oportunidades no Brasil. Mas ainda é cedo para falar nisso. Desde que comecei a prestar serviços para a DLA em minhas horas de folga, no início deste ano, tenho desenvolvido especial interesse pelo trabalho da empresa. Meu sonho é o de que esse trabalho cresça e apareça e que eu possa dedicar-me a ele por um longo tempo.
Utrecht é uma cidade predominantemente acadêmica, como Campina Grande, na Paraíba. Pessoas de todas as partes da Holanda vêm aqui para estudar. É por isso que se vê grande quantidade de jovens nas ruas.
Andar de carro é uma tarefa que requer paciência. O trânsito é lento porque há muitos cruzamentos e semáforos que demoram uma eternidade para abrir. Todavia, é organizado e pacífico. Aqui, ao contrário do Brasil, não existe gente andando na contra-mão, cuzando o sinal vermelho, estacionando em fila dupla ou sobre a calçada, trafegando em excesso de velocidade ou parando sobre a faixa de pedestres. Civilidade de primeiro mundo.
Utrecht é uma cidade bem pequena. É muito mais fácil chegar aos lugares desejados de bicicleta. Todos aqui têm uma, até quem tem carro. É muito comum ver ciclistas por toda parte e é como me locomovo aqui. Há faixas exclusivas para ciclistas em todas as ruas.
Estou temporariamente acomodado no apartamento de Frans, que está vazio porque ele mora na Alemanha. Não é propriamente um apartamento como se conhece no Brasil, que fica num edifício — edifícios na Holanda são predominantemente comerciais. As pessoas aqui moram em casas, geralmente de dois andares e em alguns casos em cada andar mora uma família diferente (vide foto).
A casa do Peter, por exemplo, é a residência dele no andar de cima e um consultório de fisioterapia no andar de baixo.
Na minha, moro eu no andar de baixo e quatro moças no de cima, todas estudantes. A cozinha e o chuveiro são comuns a todos. Detalhe interessante: aqui, sanitário e chuveiro não ficam no mesmo ambiente. Por um lado é bom, pois permite que duas pessoas façam coisas diferentes sem que uma tenha que esperar pela outra.
A convivência com os holandeses está sendo interessante. Nos primeiros dias fiquei sabendo que a imagem dos brasileiros aqui não é boa. O Brasil geralmente é visto como um país de governo corrupto, de matadores de crianças e de índios. Acho divertida a reação das pessoas ao saberem que sou brasileiro (elas geralmente sorriem, surpresas), pois além da aparência similar à deles não tenho um pires enfiado no lábio inferior.