Minha Missão de Tempo Integral: Pelotas, agosto de 1986

Publicado em 1 de janeiro de 2007 e atualizado em 28 de fevereiro de 2024

Com o Élder Russel M. Nelson, do Quórum dos Doze Apóstolos
Com o Élder Russel M. Nelson, do Quórum dos Doze Apóstolos

No início deste mês tivemos em Porto Alegre uma conferência com um apóstolo. Quando soube que um apóstolo nos visitaria, fiquei imaginando o que isso me representaria em termos de conhecimento e testemunho. O que é um apóstolo? É uma testemunha especial do Senhor Jesus Cristo, alguém que vê e fala com Ele pessoalmente, “face a face, como qualquer fala com o seu amigo” (Êxodo 33:11). Esteve aqui um homem como Moisés, Pedro, Paulo, Mateus, Tiago, João, Lucas, Marcos, Barnabé, Matias, Bartolomeu, Judas, Felipe e outros. Seu nome é Russel M. Nelson, ou Élder Nelson.

Sua palestra consistiu basicamente em responder nossas perguntas sobre doutrina do Evangelho. Eram tantos os que queriam perguntar que muitos ficaram sem vez, eu inclusive. Mas, depois de terminada a conferência, encontrei-o disponível por um segundo e aproveitei a oportunidade para lhe perguntar o que não tive chance durante a palestra, embora a resposta já me fosse conhecida: “O senhor conhece Jesus Cristo pessoalmente?” Eu sabia que a resposta seria “sim”, mas eu queria — e de certa forma precisava — ouvir a resposta vinda diretamente de sua boca.

Com um doce e confiante sorriso nos lábios, fitou-me profundamente nos olhos, como se desejasse me fazer sentir o que ele próprio sentia, e respondeu serenamente: “Sim, eu O conheço pessoalmente”.

Suas palavras ecoaram e voltaram a ressoar de um lado a outro do meu íntimo, como o badalo de um sino. O testemunho do Espírito que recebi ao ouvir as palavras do apóstolo dirigidas a mim foi tal que levei algum tempo para recuperar-me do “choque”. Ele conhece o Salvador pessoalmente! Sempre soube que apóstolos e profetas têm contato direto e pessoal com Ele, mas é a primeira vez que ouço isso direto da boca de um deles, ainda mais tendo sido prestado especialmente para mim e dito acompanhado de um profundo olhar nos olhos. Estremeço sempre que penso nisso. O testemunho de Élder Nelson me faz sentir mais próximo do Salvador. Nosso Deus não é uma entidade inatingível, como muitos pensam. Está próximo, bem próximo de todos nós, e não apenas em espírito. Mas só os mais dignos podem senti-Lo.

Falando de assuntos mais temporais, Élder Nelson foi perguntado a respeito de sua profissão antes de aceitar o chamado para o Conselho dos Doze. Ele é médico cardiologista e nos contou que fez três faculdades e tem três doutorados em cardiologia. Simplesmente fantástico! Embora seu exemplo tenha me deixado maravilhado, tenho dúvidas sobre se algum dia poderei segui-lo. Não por falta de capacidade, mas de apoio. Ele certamente teve auxílio e incentivo familiar, moral, financeiro e espiritual para chegar onde chegou. No meu caso, me darei por muito feliz se conseguir terminar a faculdade na qual consegui entrar com muito sacrifício e uma considerável dose de sorte.

Naquela conferência também foram distribuídas algumas transferências, dentre as quais a que me fez voltar à minha primeira área na missão e com um novo chamado, o de Líder de Distrito (LD). O chamado me confere mais responsabilidades e desafios, pois agora tenho que ser exemplo não só para meu novo companheiro, como também para o grupo de missionários que agora lidero.

A partida de Porto Alegre deixou alguns corações quebrados, inclusive o meu. Em meu último domingo na cidade, dia 10, a congregação unida cantou, em minha homenagem, o hino “Deus Vos Guarde” (Hinos, n.º 34) na reunião sacramental. Vários membros choraram por minha partida, junto com uma senhora que estávamos ensinando que, com os olhos banhados em lágrimas, perguntou inconformada: “Por que você tem que ir embora?”

A Ala Lindóia, em Porto Alegre, foi minha melhor área até aqui. Em quatro meses cresci e me desenvolvi muito, exigindo o máximo de mim e batizando quinze pessoas. Creio ter conquistado a confiança do Senhor, pois Ele me chamou para ser um novo líder missionário. Devo reconhecer também que grande parte desse mérito se deve a meu exemplar companheiro, que teve participação ativa em meu progresso espiritual e missionário.

Ele, aliás, escreveu uma carta em inglês aos meus pais(*), dizendo:

Tenho sido companheiro de seu filho nos últimos quatro meses e o tenho apreciado e respeitado. Ele é inteligente e muito hábil em expor o evangelho a outras pessoas.

Espero que estejam orgulhosos do exemplo que tem dado. Ele é um dos melhores missionários desta missão. Tem ajudado muitos dos seus semelhantes e famílias com quem contacta.

Muitas das pessoas que ensinamos têm mudado suas vidas e crescido por causa das coisas que seu filho lhes tem ensinado.

Tenho certeza que vocês podem ver que ele está um pouco mudado. Agora, diferente do menino que veio para a missão, está se transformando num homem desenvolto, com moral, princípios e um sentimento de amor próprio que evolui à medida que ajuda outros.

Estudei um ano na Universidade de Utah e servi um ano como reservista no Exército dos Estados Unidos, e posso lhes dizer, por experiência própria, que somente na missão se aprende auto-disciplina e motivação pessoal.

Vejo em seu filho o bom treinamento e os valores necessários para que seja bem sucedido na vida e em qualquer coisa que se decida a fazer.

Sintam-se orgulhosos, pois ele está representando bem seu sobrenome. Em breve voltará para casa, mas não como o conheceram. Estará melhor.

(*) Comentário posterior — Eu não sabia dessa carta. Descobri-a por acaso, sete meses depois de voltar para casa, perdida em meio a um monte de papéis velhos. Certamente meus pais não lhe deram importância, mas, por algum motivo, não a jogaram fora.

Aquele meu ex-companheiro é realmente uma alma muito especial. Que nosso Pai nos céus faça de sua vida um eterno mar de felicidade e sucesso.

Estudando um pouco sobre meu novo chamado como líder de distrito encontrei uma instrução bastante importante:

O líder deve compreender também que a honra não resulta do chamado para uma determinada posição, mas sim do serviço fiel prestado. A honra e o reconhecimento que ele deve almejar é a que vem do Senhor: “Eu, o Senhor, (…) me deleito em honrar aqueles que me servem em retidão” (D&C 76:5). Procurar a homenagem do presidente da missão, dos pais ou de outros missionários poderá desviar a atenção do líder de seu verdadeiro propósito, impedindo que se apoie humildemente no Senhor e reduzindo sua eficiência.

Congregação da Ala Lindóia, cuja sempre elevada frequência era motivo de minha constante admiração
Congregação da Ala Lindóia, em Porto Alegre, cuja sempre elevada frequência era motivo de minha constante admiração

Em Lindóia a área era grande e a frequência de membros e visitantes às reuniões sacramentais somava mais de duzentas pessoas por domingo. Aqui em Pelotas a área é bem menor e o ramo conta com uma frequência nunca maior que trinta pessoas, incluindo crianças. Apesar de mais modesta em tudo, esta nova área já começa a produzir suas grandes experiências espirituais.

A primeira veio enquanto ensinava o Plano de Salvação a uma senhora que perdera o marido dois dias antes. Era nosso primeiro contato com ela e julguei apropriado começar ensinando o que está acontecendo neste momento com seu marido, ao invés de começar com Joseph Smith e o Livro de Mórmon, como de hábito. Falando-lhe do mundo espiritual e com a ajuda do Espírito, o véu que separa os vivos dos mortos se tornou muito fino para mim. Os sentimentos que me dominaram foram tão profundos que quase pude ver os espíritos do outro lado. Senti-os realmente muito próximos e senti também que compreendiam bem o que se passava ali, como se tentassem me dizer isso. Mais tarde, conversando com meu novo companheiro, perguntei-lhe se sentira o mesmo. Respondeu que não. Parece que fui o único que teve o privilégio de sentir a presença tão próxima de nossos finados irmãos. Com essa experiência, solidifica-se ainda mais meu testemunho quanto ao Plano de Salvação. Terei muita alegria ao testificar isso às pessoas. É pena que meu companheiro não tenha partilhado dessa alegria.

Ele, aliás, é um missionário meio problemático. Apesar de já ter mais tempo de missão que eu, precisa de ajuda em alguns pontos nos quais é fraco, requerendo de mim alguma paciência para lhe ensinar coisas que já deveria saber. Tenho que ter cuidado para que não se sinta rejeitado e diminuído. Trata-se de uma pessoa maravilhosa, mas que precisa ser tratada com “jeitinho”.

Uma outra experiência espiritual aconteceu dias depois, quando visitávamos uma família de membros que nos convidou para jantar. Foi um convite tentador. Nossos estômagos roncavam de fome, mas aceitar o convite significaria sacrificar nossas metas. Respondi ao irmão anfitrião: “É um convite realmente tentador, mas temos um desafio pela frente e não fugiremos dele”. O irmão parece ter ficado abismado com o que acabara de ouvir, pois os missionários raramente recusam convites para jantar, especialmente quando é véspera do dia de folga. Não foi fácil mesmo. Ainda assim, antes de sair, pedi licença ao irmão para ocuparmos um dos quartos do apartamento a fim de orarmos. A portas fechadas, de joelhos, mergulhamos em humilde e fervorosa súplica pelas bênçãos do Senhor para obtermos as três palestras que nos faltavam para atingir nossa meta. O Espírito do Senhor desceu sobre nós de modo poderoso, fazendo-nos sentir amparados e confiantes. Deixamos a casa daquele irmão seguros de que conseguiríamos atingir nossa meta. Nem precisamos sair do prédio. Descendo as escadas, encontramos um de nossos pesquisadores que estava indo visitar um amigo e nos convidou para irmos juntos. Resultado: das três palestras que nos faltavam, conseguimos quatro.

Tudo o que posso dizer resume-se às palavras do Salvador ao profeta Joseph Smith:

Eu, o Senhor, estou obrigado quando fazeis o que eu digo. (D&C 82:10).

É o melhor discurso de obediência e humildade que alguém poderia dar.

Mais que isso só o testemunho de uma família a quem estamos ensinando. Disseram que, quando estivemos lá pela última vez, o ambiente se transformou de pesado e nervoso em pacífico e confortador. Testificamos tratar-se da presença do Espírito entre eles, quando então aprenderam que é assim que Ele se manifesta. Daí por diante, tudo o que dissemos foi melhor aceito, pois não tinham como duvidar daquilo que o Espírito testificava.

Para encerrar o mês com chave de ouro, nada melhor que as palavras do presidente da missão em nossa última entrevista: “Estou muito feliz por tê-lo em nossa missão. Não me preocupo com você e me sinto tranquilo em entregar um distrito em suas mãos. Você está desenvolvendo um grande trabalho e é grande meu amor por você”.

Na conferência que foi o motivo dessa entrevista, o presidente nos mostrou que nosso grande segredo ao ensinar deve ser a simplicidade. Ele até escreveu essa palavra com letras garrafais num quadro. Em seu discurso, deixou bem claro que não precisamos provar nada a ninguém. Somos literalmente os donos da verdade, mas não somos chamados para provar isso, e sim para prestar testemunho. Se tentarmos provar, tornamo-nos iguais aos sectários modernos. Se simplesmente testificarmos, tornamo-nos únicos. Esse é nosso propósito.

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