Minha Missão de Tempo Integral: Porto Alegre, julho de 1987

Publicado em 1 de janeiro de 2007 e atualizado em 4 de março de 2024

Meu último companheiro na missão e eu
Meu último companheiro na missão e eu

Eis-me de volta à minha amada Porto Alegre. Depois de minha terra-natal, São Paulo, esta é a cidade de que mais gosto neste país. Há muito havia em meu coração o desejo de terminar a missão aqui e o Senhor me concedeu essa bênção. Prometo-Lhe que, em troca, farei tudo para transformar este pedaço da cidade numa área de sucesso.

Confirmando o que eu já sabia, o relato que me fizeram do trabalho aqui não foi nada animador. Trata-se de um conjunto habitacional chamado Nova Restinga, uma área territorialmente pequena e que já foi praticamente varrida pelos missionários anteriores. Dizem que mais da metade dos habitantes deste conjunto já foi batizada na Igreja, embora muitos sequer se lembrem disso.

Mas esse quadro feio não me assustou. Creio em revelações, inspiração e trabalho duro. Existem eleitos aqui que precisam de nós e, mesmo se não houvesse, o Senhor os faria surgir, pois “até mesmo destas pedras o Senhor poderia suscitar filhos a Abraão” (Mateus 3:9). Foi crendo firmemente nessas palavras que saí às ruas a pregar e minha confiança é forte no Senhor. Ele nos abençoará, porque cumpre Suas promessas.

Cinco dias depois de minha chegada a esta área, na primeira conferência de zona após meu retorno a Porto Alegre, uma grande surpresa: meu primeiro companheiro americano, que estava há apenas dois meses na missão, já é líder de zona!

Dois dias depois, um batismo. Não foi um batismo estusiasmante como os que descrevi antes, porque não tive participação no processo de conversão da moça, mas um batismo é sempre um batismo. Foi a primeira vez — e talvez também a última — que batizei alguém numa manhã de quarta-feira.

A capela pré-fabricada, de madeira, de Restinga
A capela pré-fabricada, de madeira, de Restinga

Meu companheiro e eu estamos muito unidos e desenvolvendo um bom trabalho nesta área. Já a tiramos da lama na qual afundara e a transformamos num campo lindo e florido. Sinto-me como um dos santos pioneiros da história da Igreja, logo que chegaram ao lugar que Joseph Smith chamou de Nauvoo, que quer dizer “a bela”. Quando lá chegaram, o lugar era um pântano inabitável, mas o drenaram e fizeram dele um lugar que justificou ser chamado de belo pelo profeta. Estamos, portanto, fazendo de Restinga a nossa Nauvoo.

Estimado presidente,

Esta semana foi a de maior sucesso nos últimos quatro meses aqui no distrito de Restinga. Estou por demais satisfeito com nossos resultados. Estamos fazendo desta área um campo fértil, esta que antes era uma terra estéril e árida. O Senhor está nos recompensando por nossa união e esforço conjunto. Temos orado uns pelos outros, preocupando-nos uns com os outros e nos ajudando mutuamente. Como distrito estamos muito unidos e acho que esta está sendo a causa de nosso sucesso.

Tenho a grata satisfação de informar que todas as nossas metas da semana foram ultrapassadas. Traçamos metas altas e as deixamos para trás. Tal sucesso vai continuar.

Minha paz, contudo, estava para ser profundamente perturbada. Nada a ver com o trabalho, e sim com minha família — de novo! Vivi dias nos quais desejei que ninguém estivesse na minha pele. Senti angústia tal como não desejo ao meu pior inimigo. Foi numa das conversas que tive com mamãe, na qual, apelando aos meus sentimentos e minha misericórdia, dirigiu uma súplica desesperada para que eu voltasse para casa a tempo de fazer minha matrícula na faculdade, o que me obrigaria a deixar a missão pelo menos um mês antes de seu término.

Sua súplica tem justificativa. Confesso que já sabia que tal problema cedo ou tarde me tiraria o sono. O período de minha missão termina um mês depois de encerrado o prazo de matrícula na universidade. Se não a fizer, corro o risco de perder a vaga. Embora aqui no campo missionário esta seja a última de minhas preocupações, não posso deixar de reconhecer que ignorá-la simplesmente poderá trazer sérias complicações futuras. Em outras palavras, de repente fiquei espremido entre a cruz e a espada.

Não quero deixar a missão antes do tempo, mas também não quero criar problemas para mim próprio no campo acadêmico, nem fazer meus pais se angustiarem ainda mais. Naquela noite, após desligar o telefone, uma lágrima me escorreu pelo rosto. Não posso deixar de me sensibilizar com aquilo. Seria desumano não considerar seus sentimentos e, assim fazendo, sofro com eles.

Foi muito difícil recuperar o espírito do trabalho missionário depois disso. A voz de mamãe ficou ecoando em minha mente por dias. A isso se somaram turbilhões de pensamentos que tiraram totalmente minha concentração do trabalho. Só consegui me recuperar à custa de constantes e fervorosas súplicas de ajuda ao Senhor, quando me senti novamente dentro de meu trabalho. Agora, mais aliviado, posso pensar e agir melhor, embora o problema continue.

Mesmo perturbado, pus-me a trabalhar. No meio do mês batizamos a irmã da moça que batizáramos duas semanas antes. Estamos preparando ótimas famílias para serem batizadas nas próximas semanas e, particularmente, estou muito feliz por estar nesta área, pelo chamado, pelo companheiro e pelas bênçãos que tenho. Os frutos de nosso trabalho têm sido palestras tantas como só uma vez na missão consegui. Pretendo continuar mantendo esse mesmo ritmo de trabalho duro porque meu amor a ele e às pessoas é tanto que não conseguiria deixar de fazê-lo. Isso me faz lembrar de uma jovem pesquisadora que certa vez me perguntou por que eu tinha vindo para a missão. Sorri e respondi: “Porque amo as pessoas.”

Não há como não amá-las e como não lhes testificar que sinto uma alegria sem par por conhecer e viver o Evangelho restaurado. Foi esse Evangelho que me ensinou a amá-las, como estou sendo amado por pessoas que nem conheço e, provavelmente, nunca conhecerei. Refiro-me à família de meu ex-companheiro americano em Livramento, que escreveu contanto algumas novidades das famílias que batizamos lá e mandando uma carta de sua mãe dirigida a mim. Fiquei extremamente feliz, pois responderam ao pequeno bilhete que lhes mandei certa vez dizendo-lhes que era muito grato por estar na missão com o filho deles como companheiro.

E eles responderam. Como fiquei contente! Irmã Janet Hakes escreveu palavras carinhosas e alentadoras, como estas (trecho):

Estamos orgulhosos de você por estar servindo o Senhor sem o apoio de sua família. Deve ser muito difícil.

Nem imagina ela o quanto!

Seremos sua família na Igreja. É maravilhoso ter um filho na missão, e é mais maravilhoso ainda ter dois missionários com quem me corresponder!

Espero que você tenha uma grande missão. Vamos nos lembrar de você em nossas orações.

No fim da carta da mãe, meu ex-companheiro escreveu:

Minha mãe é a melhor mãe do mundo.

No verso do envelope, na parte reservada ao remetente, outra surpresa. Meu ex-companheiro se identificou não como “Elder”, e sim como “Irmão”, numa clara demonstração de que queria que fôssemos da mesma família.

Não sei nem o que pensar sobre este gesto de afeto e carinho de sua família ao demonstrar interesse no bem estar de um missionário que nem conhecem. Mas não posso deixar de pensar em meus pais, a quem me dedico em constantes e fervorosas orações. Ainda não consigo me acostumar à idéia de me ver privado do relacionamento familiar eterno com eles e temo muito por suas almas. Oro para que o Senhor me ajude a ser sensível à inspiração do Espírito no sentido de me tornar um motivo de consolo e bênção em suas vidas, eles que dizem que só o que lhes fiz até agora foi dar desgosto e amargura.

E lá, do outro lado do mundo, uma família estranha se orgulha de mim…

Visitado 133 vezes, 1 visita(s) hoje

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *