Quatro-olhos, nunca mais

Publicado em 14 de outubro de 2007 e atualizado em 7 de março de 2024

Herdei de meus pais a miopia com a qual nasci. Comecei a usar óculos logo aos seis anos de idade e continuei usando pelos trinta anos seguintes.

Quem quer que os use sabe como é, especialmente se for alto míope, como eu: ser chamado de quatro-olhos, lentes que sujam a toda hora, óculos pesados que marcam o nariz, ouvir coisas como “noooooossa, que lente grossa, você é cego mesmo, hein?”, pagar exames de refração e fortunas em armações e lentes especiais, acordar no meio da noite e ficar tateando no escuro para achar os óculos, tomar banho sem me enxergar no espelho, espirrar ao sair no sol, cair no sono sem tirar os óculos e empenar a armação, ter a visão piorando à medida em que a idade avança, ser chamado de caolho quando uma lente quebra, ficar com o óculos escorregando no nariz quando se está suado, ter que ficar endireitando a cabeça para poder enxergar bem só pelo centro das lentes, ter carteira de motorista com validade menor que as outras, e a lista vai longe…

Miopia na minha família é genética. Meu avô paterno era alto míope e, na década de 1960, tentou uma solução com cirurgia a laser, que era novidade no Brasil na época. O que era para ser uma solução acabou aumentando o problema: a cirurgia o deixou cego dos dois olhos.

Meus pais também tiveram sérios problemas de visão. A miopia deles era tão alta que era melhor usar lentes de contato em vez de óculos. E as lentes não podiam ser gelatinosas, tinham que ser rígidas.

Meu pai fez transplantes de córnea nos dois olhos, sofreu descolamento de retina em ambos e terminou a vida quase cego.

Esse histórico não me deixou confiante para fazer experiências nos meus olhos também. Livrar-me dos óculos era uma coisa que sempre desejei, mas os olhos são um órgão delicado demais para serem submetidos a uma decisão tão drástica apenas por motivos estéticos.

Os motivos foram também financeiros. As últimas lentes que usei não eram trocadas há cinco anos e já tinham ficado fracas, fazendo-me enxergar com dificuldade. Devido à minha alta miopia — quase dez graus —, para que não fossem grossas como o fundo de uma garrafa tinham que ser de um tipo especial e muito caro.

Como há uma lei que obriga os planos de saúde a custear cirurgias de correção de miopia para pacientes com mais de seis graus, passei a considerar a idéia com mais entusiasmo, movido mais pela questão financeira do que pela estética.

O primeiro oftalmologista que procurei solicitou exames para averiguar a viabilidade da cirurgia. Constatou que minhas córneas eram planas demais para garantir o sucesso da tentativa de zerar uma graduação tão alta. Não podendo garantir o resultado, recusou-se a realizar a cirurgia por receio de futuras reações negativas minhas. Tentei argumentar que qualquer coisa que conseguisse tirar de minha miopia para mim seria um grande negócio, pois passar a poder usar lentes simples ao invés de especiais representaria uma grande economia para mim. Cheguei até a me oferecer para assinar um termo de responsabilidade isentando-o de culpa caso o resultado fosse outro que não o que se esperava. Mas ele se mostrou inflexível e se recusou terminantemente, dizendo que, se eu quisesse, procurasse outro médico.

Então aconteceu um pequeno acidente que quebrou uma das lentes, o que contribuiu para acelerar meus planos. Foi quando decidi fazer o que o primeiro médico desaforadamente sugeriu.

Com uma médica de outra equipe, repeti os exames e eles chegaram ao mesmo resultado. Todavia, a nova equipe não tinha os brios da primeira. Eu simplesmente fui alertado para a possibilidade de não ser possível zerar a miopia, o que acarretaria na convivência com algum resquício. Para mim, era um grande negócio, que aceitei sem titubear.

Todavia, antes de seguir adiante, levei minha decisão ao Senhor na esperança de obter Seu apoio, como Ele ensina em D&C 9:8-9:

Mas eis que eu te digo que deves [estudar bem o assunto] em tua mente; depois me deves perguntar se [teu entendimento] está certo e, se estiver certo, farei arder dentro de ti o teu peito; portanto, sentirás que está certo. Mas se não estiver certo, não terás tais sentimentos; terás, porém, um estupor de pensamento que te fará esquecer o que estiver errado;

A resposta que obtive foi positiva: Ele me fez sentir tranquilo quanto à decisão.

E foi assim que me livrei dos óculos que usei por trinta anos. Estou muito satisfeito com o resultado. Nunca mais terei que sofrer com as agruras descritas no início.

Este foi um caso em que eu poderia ter me prejudicado enormemente se, sabendo que algo poderia dar errado, o Espírito não pudesse me alertar caso eu não estivesse digno Dele. Foi o que aconteceu com meu avô que ficou cego devido a uma desastrada cirurgia a laser do mesmo tipo da que fiz.

Sou muito grato por poder contar com a orientação do Espírito em minhas decisões.

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2 comentários em “Quatro-olhos, nunca mais

  1. Interessante sua história, é meio difícil ver pessoas que operam para correção da miopia acima de 10di zerarem ou ficar com dioptria baixíssima. Agora em relação às pessoas operadas não desenvolverem a miopia, depende da situação. Caso o paciente seja jovem (geralmente abaixo dos 21 anos) e continua a desenvolver uma miopia de caráter maligno, é altamente recomendável esperar o erro de refração estabilizar, pois é provável que a miopia ainda continue a avançar.

    1. Oi, Felipe.

      O que escrevi no artigo foi o que minha oftalmologista disse na época da cirurgia. Hoje, sete anos mais tarde, o olho direito (que era o pior) ficou com 3 graus e o esquerdo com 1. Ela explicou que isso é normal devido a uma espécie de acomodação do olho após o procedimento cirúrgico, mas que minha miopia não mais aumentaria na proporção que sempre aumentou ao longo de minha vida.

      Há uns dois anos refiz os exames para saber se haveria possibilidade de fazer nova cirurgia para reduzir esse resquício. Infelizmente, o resultado levou a equipe médica a não recomendar novo procedimento. Então estou convivendo com o que sobrou, mas é uma convivência absolutamente tranquila. Comparado a como era minha vida antes, eu diria que estou no céu. 😉

      Um abraço!

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