Ducha de dignidade

Referente a fevereiro de 2003

No último dia 25 recebi uma mensagem de e-mail de uma moça que fez o seguinte comentário a respeito de meu site na Internet:

Bom, queria dizer que me identifiquei muito com suas dificuldades. Seu diário me veio como resposta a muitas perguntas que fiz concernente à minha famíla, especialmente minha mãe. Ela acha que as minhas responsabilidades estão sendo atrapalhadas por causa da Igreja, e me impele a não acreditar fielmente em tudo que fazem e falam porque não há uma Igreja que seja o caminho correto a seguir. (…) Me caiu como uma luva cada palavra que li a respeito de teu sofrimento em relação às aversões de sua família.

Agradeci-lhe a mensagem, escrevi-lhe algumas palavras de incentivo e pedi-lhe que satisfizesse minha curiosidade em saber como havia encontrado meu site. Eis sua resposta:

Não me lembro bem como o encontrei. Deve ter sido algum site da Igreja, não oficial, mas realmente não me lembro. Até procurei em alguns dos sites que costumo visitar. Mas não me recordo… Só digo a você que a única certeza que tenho foi que o Espírito me guiou até elas. Fiquei horas a ler sem cansar, e a cada linha eu encontrava uma nova resposta, um novo caminho, uma maior tranquilidade. Tudo que eu mais precisava naquele exato momento. Agra­deci ao Pai imensamente por ter colocado o seu diário em meu caminho.

Obrigada por ter escrito todas aquelas coisas que tanto me confortam.

Um pouco mais adiante na mesma mensagem ela diz:

Bom, no mais obrigado por tudo que você fez por mim, mesmo indiretamente.

As coisas melhoraram muito, pois agora tenho consciência de algumas coisas que antes não me passavam pela cabeça.

Assim como ela, também me sinto feliz e grato porque, quinze anos depois do término de mi­nha missão, ela ainda é uma bênção na vida de alguém.

Por isso, gostaria de exortar qualquer um que vier a ler estas palavras a fazer um registro es­crito de sua vida, tal como me esmero em fazer com este precioso documento. Tenho compartilhado trechos deste diário com o grupo virtual que criei no início de dezembro último, chamado Mórmons do Brasil. As passagens recentes mais inspiradoras foram tidas como preciosas por vários dos inscritos nele. Não mantenho este diário atualizado para deixar tais experiências escondidas, e sim para compartilhá-las com quem quer que se beneficie delas, daí o prazer que sinto em divulgar os trechos mais inspiradores de minhas experiências espirituais.

No primeiro fim de semana do mês tive mais uma. Naquele mesmo sábado comecei um jejum com o propósito de ser ajudado pelo Senhor a sair do atoleiro financeiro em que estou afundado. (…) Comecei-o com um sentimento de grande angústia no peito, por isso pedi ao Senhor que também me ajudasse a exercer fé e confiança Nele de que tudo isso é um sonho mau que logo vai terminar. Quero crer que Seu socorro está a caminho.

No domingo (2/2) iniciei o dia amargando um sentimento ruim dentro do peito por causa das preocupações que eram o motivo de meu jejum. Pedi socorro ao Senhor no sentido de, novamente, ajudar-me a depositar toda minha confiança Nele e que nada me afastasse do Espírito, até porque, mais uma vez, a pedido do professor titular da classe dos jovens da escola dominical, assumi com alegria a incumbência de dar a aula para que ele pudesse ausentar-se. As­sim, tal como fizera na preparação da aula, busquei o Espírito também na hora de ministrá-la. Tão gloriosamente como sempre, Ele veio.

Todavia, apesar de ser capaz de senti-Lo e de reconhecer Sua influência em minhas palavras durante a aula, eu não conseguia extirpar aquela desagradável angústia de dentro do peito. Mesmo assim, o Senhor foi misericordioso comigo e ajudou-me a não transmiti-la a meus jovens alunos.

Durante a aula, compartilhei com eles algumas de minhas muitas experiências espirituais na esperança de edificá-los e inspirá-los. A aula transcorreu bem e saí dela satisfeito por ter sido capaz de ensinar pelo Espírito. Contudo, logo que me sentei no banco da Sacramental à espera do início da cerimônia, aquele mal-estar interior começou a aumentar sobremaneira por causa de uma dúvida que me veio à mente sobre uma das experiências que compartilhei com os alunos. Por algum motivo, de repente comecei a achar que não deveria tê-la contado, até porque, embora tenha me sido altamente inspiradora e tenha fortalecido meu testemunho, não aconteceu diretamente comigo, e sim com um amigo. Ocorreu-me que esse amigo poderia não querer que eu a tivesse contado, ou, ainda pior, que nem mesmo fosse verdade! Se não fosse, eu teria usado uma falsidade para inspirar a classe.

Então vários sentimentos angustiantes começaram a dominar-me. Cantei o primeiro hino com a congregação e fechei os olhos para a primeira oração sem que minha mente conseguisse sequer prestar atenção ao que se passava ao meu redor. Conforme o momento de tomar o sacramento se aproximava, comecei a achar-me indigno de tomá-lo, por algum motivo que não sabia explicar. E tudo começou com o sentimento de que eu poderia ter dito uma bobagem na aula para os jovens.

Chegada a oração sacramental, eu estava perturbado. E o pior é que nem sabia ao certo porquê!

Mas sabia que não poderia deixar a situação assim. Fiz um rápido exame de consciência e concluí que, não tendo quebrado nenhum mandamento que afetasse minha dignidade, não haveria por quê não tomar o sacramento.

À espera da bandeja com o pão, mergulhei em uma oração silenciosa de agradecimento ao Pai pelo muito que tem feito por mim. Mas até aquele momento ainda estava sendo difícil coordenar meus pensamentos e sentimentos sobre o que queria dizer-Lhe. Foi então que aconteceu o que para mim foi mais uma marcante experiência espiritual. Tão logo dirigi ao Pai minhas primeiras palavras de agradecimento pela expiação de Cristo, senti como se uma ducha de dignidade tivesse sido aberta sobre minha cabeça, descendo pelo corpo até chegar aos pés. Como num passe de mágica, toda a angústia que eu sentia foi embora e passei a gozar de um alívio celestial. O Senhor, mais uma vez, estava cuidando de mim.

Impressionado, mas sem entender o que tinha realmente ocorrido, subi ao púlpito para prestar meu testemunho. Pouco depois de mim, subiu um dos jovens que assistira minha aula minutos antes. Em linhas gerais, o que ele disse em seu testemunho foi:

Sempre tive dificuldades para assistir as aulas da escola dominical ou participar de reuniões porque sempre me dava um sono danado. Desta vez, porém, me comprometi com o Senhor em prestar atenção na aula para aprender mais. E agora estou me sentindo muito grato ao Senhor por ter nos abençoado com professores inspirados, que dão aulas inspiradas, como a de hoje, onde aprendi muito.

Tendo dito isso, fitou-me por alguns momentos, em silêncio.

Banhados em lágrimas, fechei os olhos e elevei aos céus minha mais profunda gratidão por ter sido instrumento em Suas mãos para tocar o coração daquele e de outros jovens, apesar de meu sentimento de incapacidade. Foi então que compreendi que eu realmente não tinha motivos para preocupar-me com qualquer coisa que tenha dito na aula.

Mesmo assim, o mistério continuava: o que exatamente aconteceu?

À tarde, já refeito em minha espiritualidade e acompanhado de meu companheiro de mestre familiar, fui fazer mais uma visita. Minha mensagem baseou-se na do Elder Jeffrey R. Holland, do Quórum dos Doze, publicada na Liahona de janeiro de 2003, que versa sobre a cura espiritual vinda por meio de aulas inspiradas, como a que eu dera naquela manhã apesar dos pesares. Não pude deixar de comentar com a família a experiência vivida pela manhã. E foi durante a conversa sobre o assunto que o Espírito revelou-me o que ocorrera.

Eu houvera começado o jejum espiritualmente fragilizado por causa de minhas preocupações, e assim permanecera até o momento do sacramento. Essa fragilidade era a chance que Satanás queria para tentar fazer-me cair em uma astuta armadilha. Colocando pensamentos derrotistas em minha mente, como o de que eu poderia ter dito uma mentira à classe, e sentimentos de indignidade em meu peito, como o de que eu eventualmente não estaria digno de tomar o sacramento, ele queria que eu cresse nisso. Se tivesse sido bem sucedido nessa tentativa, meus pensamentos derrotistas e sentimentos de indignidade só fariam aumentar, aos quais ele acrescentaria outros mais. Seu intuito era arrastar-me para uma ciranda de fracasso e culpa cujo fim é a miséria em que ele próprio está (2 Néfi 2:27). Algo bem parecido com isso foi o que ele tentou às vésperas de minha partida para a missão, fazendo-me crer que o Espírito tinha me dito que eu não deveria mais partir (veja setembro de 1985). Todavia, durante o sacramento, quando expressei ao Senhor minha gratidão pela expiação de Cristo, o Espírito veio em meu socorro e afastou Satanás de mim. Essa foi a orígem do sentimento de “ducha de dignidade” que descrevi ter sentido.

Essa experiência fortaleceu meu testemunho sobre algumas coisas:

  • Todos corremos grande risco quando deixamo-nos abater em nossa espiritualidade;
  • O Sacrifício Expiatório de nosso Salvador tem grande poder sobre nossas vidas quando nos mantemos dignos;
  • O Senhor vem em nosso socorro quando somos merecedores;
  • Ele é bondoso e misericordioso para com os que O amam e guardam Seus mandamentos.

Como posso duvidar que esta é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo quando tantas maravilhas espirituais acontecem dentro dela?

Naquela noite, compartilhei essa experiência com os demais inscritos em meu grupo Mórmons do Brasil. Uma das assinantes, uma brasileira que vive nos Estados Unidos, escreveu o seguinte sobre ela:

A experiência espiritual que você descreveu é muito significante! Você fez bem em continuar seu esforço por fazer o que sabia ser certo, apesar de não estar totalmente em paz consigo mesmo.

Renovar os convênios que fizemos ao batismo é o maior valor do sacramento. Ao tomarmos em nossas cabeças o nome de Jesus Cristo formamos um elo poderoso com a natureza divi­na, e isso é fortalecedor!

Continue a viver pelo exemplo, e lembre-se que até o próprio Jesus foi tentado pelo opressor (especialmente enquanto jejuava, lembra?).

Voce é uma inspiração a todos os que têm o privilégio de partilhar qualquer aspecto de sua vida. Os seus escritos mostram sua vontade e determinação em servir ao Senhor, e isso é um valor inigualável.

Keep up the good work!

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