São Paulo, setembro de 1985

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No jardim do Templo de São Paulo

Ainda muito angustiado por causa dos eventos recentes, eu vinha pedindo ao Senhor que me abençoasse com suficiente sabedoria, inteligência e discernimento para tomar a decisão correta a respeito do desafio lançado pelo bispo. Apesar de tudo, ainda tinha dentro de mim o forte desejo de servir ao Senhor em missão.

Depois de muito ponderar, decidi que sair em missão era o que eu realmente queria. Então ajoelhei-me ao pé da cama e abri meu coração ao Senhor para expressar-Lhe meus desejos. Mas tão logo pronunciei as primeiras palavras, fui envolvido por um estranho sentimento de mal-estar e indisposição. Não era um mal-estar físico, mas espiritual, que foi aumentando e ficando tão forte que tornou-se quase palpável. Senti minha língua presa e não consegui mais falar. Esse mal estar espiritual durou apenas alguns instantes, mas pareceram vários minutos. Somente depois de algum tempo recuperei as forças para falar novamente, mas então já estava tão fortemente impressionado que não senti o desejo de falar mais nada.

A princípio não entendi o motivo da manifestação. Depois de alguma ponderação, concluí que poderia ser uma provação semelhante à que o Senhor impôs a Abraão, quando foi-lhe requerido oferecer seu filho Isaque em sacrifício para provar sua fé, de acordo com os rituais judaicos da época (ver Gênesis 22:1-18). Deus poderia muito bem estar pondo minha fé à prova também, requerendo o sacrifício de algo que eu queria muito — no caso, a missão — como prova dessa fé.

Naquela noite fui dormir bastante perturbado com o ocorrido. Seria mesmo possível que, depois de meses de preparação, angústia, economia e esforço, depois de já ter recebido uma revelação sobre o local para onde eu seria enviado — confirmada com o recebimento do chamado —, viesse do Alto uma orientação contrária ao sentido natural das coisas?

Com muita humildade e sinceridade, voltei a dirigir minha palavra ao Senhor para dizer-Lhe que, se essa realmente era Sua vontade, eu teria suficiente coragem para renunciar à missão, tal como Abraão teve que renunciar à paternidade há tanto desejada. Essa afirmação foi realmente muito sincera, mas lá no fundo do coração eu desejava estar enganado.

Foi assim disposto que quase procurei meu bispo para anunciar minha desistência. Só não o fiz porque achei que havia algo errado. As peças do quebra-cabeça não se encaixavam. Fui então trocar idéias com meu ex-bispo, homem sábio e espiritualmente experiente — o mesmo de quem falo na história de minha conversão. Ele disse que era impossível que o Espírito Se manifestasse contra os ensinamentos da Igreja — que, afinal, é dirigida por Ele próprio — e lembrou que eu poderia perfeitamente ter sido vítima do mesmo episódio ocorrido a Joseph Smith:

Depois de me haver retirado para o lugar que previamente escolhera, tendo olhado ao redor e encontrando-me só, ajoelhei-me e comecei a oferecer a Deus os desejos de meu coração. Apenas iniciara, imediatamente se apoderou de mim uma força que me dominou por completo; e tão assombrosa foi sua influência que se me travou a língua, de modo que eu não podia falar. Uma densa escuridão formou-se ao meu redor e pareceu-me, por um momento, que eu estava condenado a uma destruição súbita. (Joseph Smith – História, 1:15)

Foi aí que aconteceu um estalo em minha mente: mas é claro! Eu havia sido vítima de uma tentativa de engodo!

Mais que isso: ao contrário do que até então pensava, eu não estava imune a um ataque dessa magnitude por parte do inimigo, pois nunca julgara-me alguém importante o bastante para merecer tanta atenção, ou que minha ida para a missão representasse algo tão ameaçador para Satanás a ponto de tentar fazer-me desistir dela. Até então não me ocorrera que, se Satanás estava lutando para me fazer desistir da missão, seguramente era porque eu estava fazendo a coisa certa! E se o Senhor achasse que eu não deveria ir, não teria revelado-me para onde me enviaria, nem teria confirmado isso a Seu profeta.

Senti-me indescritivelmente aliviado por tudo não ter passado de uma farsa diabólica, venenosamente armada para tentar impedir-me de fazer a coisa certa. Tive uma prova de que com o inimigo não se brinca! Foi uma experiência que o Senhor permitiu que eu vivesse para mostrar-me a importância de não nos afastarmos de Seu Espírito.


 
Os dias se passaram e chegou finalmente a hora de partir. Foi com o coração quebrado que abracei papai e ouvi dele um contrito “espero que você faça uma boa missão”. Longe de ser uma genuína manifestação de apoio, aquela tinha sido uma confissão de derrota pelo cansaço. Dentro de mim misturavam-se a euforia pela partida e a cortante tristeza pela expressão de decepção estampada em seu rosto. Partir nessas circunstâncias é uma coisa que, se um dia eu vier a ser bispo, não permitirei que aconteça a qualquer jovem do meu rebanho.

(Comentário posterior) Décadas depois, refletindo sobre tudo isso, lamento profundamente não ter sabido conduzir minha preparação de maneira menos traumática e mais conciliatória. Havia muitos meios de fazê-lo, mas nenhum foi sequer tentado.

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Na entrada do CTM

Todavia, agi pela fé. Não haveria outro motivo para partir senão esse. Nenhuma outra justificativa haveria para enfrentar todas as aflições decorrentes de minha decisão senão a que só se enxerga com olhos espirituais. Que ninguém seja levado ao erro de supor que, sem um motivo transcendentalmente justo, eu me sujeitaria à deprimente experiência de testemunhar a revolta de mamãe contra mim, esmurrando a mesa e dizendo coisas horríveis contra a Igreja que nem tenho estômago para repetir. Ela me xingava de coisas horríveis e dizia que eu estava sendo um castigo em sua vida. Chegou até a suplicar-me, implorar-me que desistisse, ante o que, abalado, fiz muita força para não chorar. Durante aqueles dias, na maior parte do tempo, andei cabisbaixo e deprimido, desejando profundamente não ser necessário ter que passar por tudo aquilo. Foi uma experiência muito, muito dolorosa. Insisto em dizer, porém, que agi pela fé.

Esta é, sem dúvida, a única e verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Senti isso muito claramente no Centro de Treinamento Missionário e esse sentimento de indubitável certeza fortalece meu testemunho da Igreja. Nunca o negarei, nem que minha vida dependa disso. Passar pelo templo é uma experiência muito mais profunda do que seria capaz de descrever com meu parco vocabulário. Só quem também passou por ele sabe como me senti, especialmente tendo sido aquela a primeira vez. Por isso, apesar de toda tristeza causada em casa por minha vinda para a missão, nunca tive tanta certeza de que fiz a coisa certa. Não me surpreenderei se meus pais terminarem seus dias neste mundo sem entender porquê o fiz, já que, para tanto, é preciso estar afinado com o Espírito do Senhor. Por amor a eles, passarei toda a minha missão orando e jejuando por suas almas de coração duro.

Outro fator de transcendental importância em minha passagem pelo templo foi a oportunidade de submeter os nomes de seis antepassados meus às ordenanças vicárias. Sinto-me muito feliz por fazer isso por eles.

Ainda no templo, fiz uma investidura e aproximadamente quarenta selamentos vicários. Na Sala Celestial do templo, tive o prazer de ser vizinho de poltrona do Élder Hélio da Rocha Camargo, do Primeiro Quórum dos Setenta, a quem pedi conselhos para minha missão. Disse-me algumas coisas bem importantes, que poderia resumir em: “Seja obediente ao Senhor e ao seu presidente de missão. E lembre-se de que a palavra de um missionário é profética”.

Aquela era a última vez em dois anos que eu podia olhar pela janela e ver os incontáveis arranha-céus e a infinidade de carros nas ruas da minha cidade adorada. Nunca deveria tê-la deixado. Quando poderei voltar?

Aproximava-se a hora de nova partida, desta vez para o campo missionário. Dentre meus companheiros de turma não havia um que não se lamentasse por ter que deixar o CTM e o templo para trás, mas também não havia um que não estivesse ansioso para começar seu trabalho. Era assim que me sentia.

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