Minha Missão de Tempo Integral: Porto Alegre, junho de 1986

Publicado em 1 de janeiro de 2007 e atualizado em 27 de fevereiro de 2024

Os missionários de meu distrito e eu
Os missionários de meu distrito e eu (à esquerda)

Nas entrevistas, o presidente da missão sempre me pergunta coisas sobre meu companheiro, minha família e sobre mim próprio. Conforme as respostas, dá conselhos sobre o que precisa ser melhorado. Mas não desta vez. Minhas respostas deixaram-no sem palavras. Houve um momento em que confessou: “Estou procurando algo para pegar no seu pé, mas não achei nada”. Segundo ele, eu estava tão perfeitamente encaixado em meus deveres que não havia necessidade de correções ou conselhos. Foram poucas as palavras, mas muitos os sentimentos. Prova disso foram as palavras com que concluiu nossa entrevista: “Continue crescendo, e continue sendo um exemplo”.

Até este ponto de missão já tive experiências espirituais fantásticas. Memoráveis. Mas nenhuma como a que aconteceu neste mês, quando recebi uma fantástica revelação em favor de um de nossos pesquisadores. Aliás, ele já foi motivo de diversas manifestações espirituais. Trata-se de um pai de família que nos era motivo de muitas orações e preocupações por ser alguém que, sabíamos, é muito especial para o Senhor, por algum motivo. Ele tem testemunho sobre a Igreja e a frequenta regularmente, mas, dezenas de visitas, palestras e orações depois, reluta em se batizar.

Numa de nossas visitas à sua casa lemos uma passagem escolhida por meu companheiro, o capítulo 30 de 2 Néfi e os cinco primeiros versículos do 31. Enquanto líamos e comentávamos a aplicação de cada versículo em seu caso, o Espírito Se manifestava fortemente. Parecia até que Néfi os escreveu inspirado naquele homem, tão perfeito foi o encaixe das palavras de Néfi à situação daquele irmão.

Cada novo versículo lido funcionava como uma cerca se fechando em seu redor. Não havia saída, a não ser a descrita por Néfi ao mencionar as palavras do Senhor: “Arrependei-vos, arrependei-vos, e sêde batizados em nome do Meu Filho bem amado” (v. 11). Ele reconheceu a necessidade e a importância do batismo, mas, como sempre e de modo delicado, repetiu a já batida desculpa para sua relutância: “medo de pecar depois do batismo”. Ele insistia em fazer as coisas da maneira mais demorada possível, como quem quer unir dois pontos traçando círculos.

Aprendi no CTM que, quando um candidato ao batismo reluta em aceitar esse compromisso, é porque há razões ocultas que não quer revelar. Corroborando essa teoria, experiências recentes me ensinaram que quem tem o tipo de receio expresso por ele não está totalmente determinado a ser obediente, apesar da consciência de seu dever perante o Senhor. É o caso dele. A princípio achei que não fosse, porque o Espírito sempre foi forte em todas as muitas visitas que lhe fizemos. Não adiantou tentar convencê-lo de que o “medo de pecar depois do batismo” poderia ser resolvido com fé e determinação. Seu problema não era ser “rebelde, preguiçoso e relaxado”, segundo a descrição que fazia de si mesmo, e sim que não tinha a intenção de ser obediente. Havia outro motivo que era a verdadeira pedra em seu sapato desde o princípio.

A peça que faltava nesse quebra-cabeça surgiu quando falávamos de determinação. Ele respondeu: “É isso. E algo mais”. Foi aí que o Espírito, de forma direta e inequívoca, revelou a meu companheiro e a mim a verdadeira causa de tão grandes arrodeios. Aquele pobre homem nos esconderia indefinidamente o verdadeiro motivo de sua relutância não fosse a revelação que recebemos. Em circunstâncias normais, aquele “algo mais” talvez passasse despercebido, mas, ao ouvirmos isso, a palavra “adultério” foi posta pelo Espírito em nossas mentes.

“Então é isso!”, pensei.

Com uma expressão gentil e compreensiva no rosto, mostrei-lhe os Dez Mandamentos e perguntei se esse “algo mais” tinha a ver com o sétimo: “Não adulterarás”. Seu semblante mudou como se tivesse levado um choque. Arregalou os olhos e, assombrado com a descoberta de seu segredo, confirmou com um discreto gesto de cabeça.

Houve silêncio. Eu não sabia se ria ou chorava, pois fiquei completamente atônito, boquiaberto, maravilhado e abismado com a revelação que acabáramos de receber. Foi um milagre vindo para a salvação de uma alma pecadora. Mais que uma alma pecadora, alguém muito especial aos olhos de nosso Pai Celestial. Já agradeci várias a Ele vezes pelo privilégio de tê-lo ensinado, ele que é alguém assim importante a ponto de ser necessária uma revelação para sua salvação.

Soube mais tarde que ele tinha outra mulher e filhos com ela. Sua esposa não sabia de nada. Seria uma situação difícil de resolver e não fiquei em Porto Alegre tempo bastante para saber do desfecho de sua história. Nunca mais tive notícias dele.

A salvação que por meu intermédio o Senhor oferecia àquele homem parece cada vez mais impossível para meus pais. Mamãe fez por carta um desabafo tão grave que me deixou abalado e deprimido, especialmente porque foi regado a apelos sentimentais e chantagens emocionais, tão prejudiciais ao espírito missionário. Suas palavras me machucaram muito. Meu coração sangrou. Não posso dizer que ela também não está com o coração partido, mas que julgue o Senhor entre mim e ela e veja Ele quem tem razão. Não sei mais o que fazer além do que diz uma voz dentro de mim: “Estude o exemplo de Néfi e aplique com eles”. Não fosse por isso, eu já teria desistido.

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