Publicado em 1 de janeiro de 2007 e atualizado em 4 de março de 2024
Aconteceu numa entrevista batismal. Duas das missionárias de meu distrito haviam terminado de ensinar uma jovem de 15 anos que estava pronta para o batismo. Em contraste com o negror de sua pele, enxerguei com os olhos espirituais a luminescente alvura de seu espírito. A última das perguntas que lhe fiz, como de praxe nas entrevistas batismais, foi: “Por que você quer ser batizada?” Em resposta, ouvi palavras de surpreendente sinceridade e espiritualidade, como nunca pensei ouvir da boca de um candidato ao batismo: “Porque quero servir ao Senhor”.
Aquela pequena jovem de pele escura deve ser muito especial aos olhos do Salvador. Tive o privilégio de discursar sobre os princípios do evangelho em sua reunião batismal. O Espírito me compeliu a contar a experiência da entrevista e de como enxerguei seu espírito, o que provocou uma manifestação do Espírito do Senhor tão forte que levou alguns dos presentes às lágrimas.
Não foi a única experiência marcante em se tratando de pesquisadores em processo de conversão. Estamos ensinando um velhinho de setenta anos que esteve doente por alguns dias e por isso não esperávamos que fosse visitar a Igreja. Mas, para nossa surpresa, ele foi, mesmo doente, e sozinho. Mais impressionante que sua presença na Igreja foi o que me disse ao chegar: “O corpo não queria vir, mas o espírito queria, então sujeitei o corpo ao espírito e vim”. Fiquei pasmo!
Não vou nunca me cansar de dizer o quanto estou impressionado com a espiritualidade das reuniões de nossa ala. Ainda estou surpreso com a reverência destes santos durante as sacramentais. Senti o Espírito tão forte como quando estive no templo. A ala Livramento II está de parabéns. Quem dera todas fossem assim.
Não estão de parabéns, contudo, os membros da Igreja de minha cidade que andaram tomando parte em violentos distúrbios grevistas organizados por entidades estudantis. Um deles me escreveu contando que está solidário a esse movimento e pediu minha opinião a respeito. Entendo que foi movido pelo até certo ponto justo desejo de corrigir os muitos erros da administração pública, mas, citando declarações de autoridades-gerais da Igreja e diversas escrituras, expus minha posição contrária à anarquia como forma de coerção, e acrescentei:
É da minha opinião que é inútil lutar contra esse tipo de coisa, pois não conheço escritura alguma que diga que tais tormentos terminarão antes da inauguração do milênio. Pelo contrário, os profetas modernos têm nos alertado de que a tendência é piorar. Você e todos os nossos irmãos aí devem se lembrar de que não é contra um homem ou grupo de homens que estamos lutando, e sim contra o próprio Satanás. Ele é o príncipe deste mundo e seu principado não terminará senão com o início do milênio. Enquanto esse dia não chegar, não caiamos no erro de supor que, usando de suas próprias armas — violência, agitação e anarquia — estaremos contribuindo para o enfraquecimento de seu poder. Ao contrário, agindo dessa forma estaremos nos tornando iguais a ele. Mesmo que seja em defesa de direitos justos, em minha opinião, greves, revoltas e distúrbios são inspirados por Satanás e condeno qualquer coisa nesse sentido.
Repito: é inútil lutar contra ele usando suas próprias armas. Só conheço uma arma eficaz contra os poderes demoníacos: a retidão. Essa será a razão pela qual não terá poder no milênio: porque todos os habitantes da terra serão retos e puros.
Se estas palavras surtiram efeito não sei, mas que me foram inspiradas, foram. O que me entristece é que a liderança local da Igreja não sabe lidar com esse tipo de problema. Basta ver o que fizeram comigo e com minha preparação para a missão.
Em se tratando de inspiração, porém, me sinto orgulhoso em saber que em meu distrito há missionários ainda mais inspirados e dignos que eu. Estou falando de uma das missionárias. Ela nos contou que, há duas semanas, andava aflita e perturbada por causa de problemas pessoais. Orava muito pedindo conforto ao Senhor. Numa noite, foi acordada pelo barulho da porta de seu quarto sendo aberta. Julgando tratar-se de sua companheira, não deu atenção. Mas a pessoa que abriu a porta mexeu em algumas de suas coisas, talvez para chamar sua atenção. Foi quando notou que a claridade que iluminava o quarto era mais forte que a da lâmpada do teto. Ao abrir os olhos, viu que a intensa luz branca era irradiada por uma pessoa que descreveu como sendo de estatura alta e com vestes brancas. Não lhe dirigiu a palavra, mas sua presença lhe transmitiu a paz e o alívio que vinha pedindo ao Senhor, e o conforto de saber que Ele vela por ela. Por ter aberto a porta e mexido em suas coisas para chamar sua atenção, a abençoada missionária concluiu que se tratava de um ser ressuscitado, já que espíritos não podem fazer tais coisas. Imagino o poder que tem o testemunho de uma pessoa que recebe do Senhor o privilégio de ser visitado por um anjo, como ela foi. Fico feliz por essa missionária estar em nosso distrito.
Elder Hélio da Rocha Camargo ainda não é um anjo, mas trouxe para nossa conferência de zona a mesma alegria que a missionária sentiu ao ser visitada por um. Conheci Elder Camargo no templo, ainda em treinamento no CTM. Ele é o único brasileiro no Primeiro Quorum dos Setenta, o que representa motivo de grande orgulho para todos os membros da Igreja no Brasil. Resumi seu treinamento anotando suas palavras:
O indivíduo que toma uma atitude mental positiva sempre vencerá. O espírito positivo é suficiente para movimentar internamente as forças do indivíduo. Quando temos o espírito positivo de aceitar os desafios do Senhor, abrimos nossas portas para que Ele derrame sobre nós o seu poder. É como um condutor elétrico submetido à grande corrente: se não aumentarmos sua espessura, não suportará a carga. Igualmente, se não alargarmos nossa capacidade, Ele não porá força sobre nós. Fazemos isso através do estudo das escrituras, da obediência, da fé e do trabalho. Se o Senhor nos mandou para onde estamos é porque nos preparou um caminho.
A conferência estava de tal modo inspirada e edificante que, ao final, não dava vontade de sair da capela. Saímos de um ambiente quase celestial para um terrestrial. O contato de volta com a realidade foi realmente esquisito.
É uma pena que certos líderes locais da Igreja não tenham tido o privilégio de ser missionários. É muito difícil trabalhar com líderes que nunca fizeram missão. Estão tão completamente fora da realidade da obra missionária que chegam a ser cegos de entendimento, mesmo quando sinceramente empenhados em fazer o que podem, o que ainda assim os deixa muito aquém do satisfatório. Estaria mentindo se dissesse que não estou indignado com eles. Pela falta de apoio da liderança local da Igreja e pelo fato de termos encontrado muito, mas muito campo verde, nosso trabalho agora parece emperrado como uma engrenagem enferrujada. Já há três semanas não conseguimos atingir nossas metas. Se é que pode me servir de consolo, o restante do distrito está assim também. Apesar de todo o desânimo, meu trabalho continua edificante e gratificante. Sinto-me feliz por estar aqui e isto não é conversa fiada. Prefiro encarar a situação como fez o valente Joseph Smith, que disse certa vez: “Se eu não tivesse realmente entrado nesta obra e sido chamado por Deus, eu recuaria. Mas não posso recuar. Não tenho dúvida da verdade”. Estou disposto a enfrentar qualquer situação que vier até as últimas conseqüências. O Senhor talvez queira que eu seja valente e forte para que possa me dizer: “Estou satisfeito com tua oferta” (D&C 124:1).