Minha chegada à Holanda

Publicado em 14 de outubro de 2007 e atualizado em 4 de março de 2024

Referente a agosto de 1998

31 de julho foi meu último dia naquele empreguinho chulé. Minha saída representou um alívio para mim e um problema para meu ex-chefe, que agora ficou sem seu braço direito. Tamanha foi a perda que ele resolveu tirar uma semana de férias antes de minha saída, pois não sabia quan­do teria outra chance. Foi um trabalho bom, ainda que estressante pelo tipo de pessoa exageradamente impetuosa que é.

Embarquei para Utrecht, Holanda, três semanas depois. Vim fazer um trabalho praticamente inédito no mundo, já que não se tem notícia de outra empresa prestando o tipo de serviço que a nossa presta — ensino de inglês assistido por computador com reconhecimento de voz(*). Além de manter atualizado o site da empresa na internet e de incrementá-lo com interatividade, vou também aprender como funciona o software da empresa para poder iniciar o trabalho no Brasil no próximo ano, se tudo der certo.

A Dynamic Language Acquisition (DLA) não é uma grande corporação multinacional. É uma empresa pequena, de propriedade de um inglês que reside aqui na Holanda e de seu sócio, um holandês que mora na Alemanha. Sei que não posso sonhar com promoções e carreira dentro da DLA caso continue pequena, mas o simples fato de estar aqui já é um grande progresso, tão grande como jamais havia sonhado ser possível um dia. Não como profissional, pelo menos.

O que vim fazer aqui é um trabalho de qualidade internacional. O simples constar de tal experiência em meu currículo por si só já se constitui num atrativo bom o bastante para ser o chamariz de novas oportunidades no Brasil. Mas ainda é cedo para falar nisso. Desde que comecei a prestar serviços para a DLA em minhas horas de folga, no início deste ano, tenho desenvolvido especial interesse pelo trabalho da empresa. Meu sonho é o de que esse trabalho cresça e apareça e que eu possa me dedicar a ele por um longo tempo.

Utrecht é uma cidade predominantemente acadêmica. Pessoas de todas as partes da Holanda vêm aqui para estudar. É por isso que se vê grande quantidade de jovens nas ruas.

Andar de carro é uma tarefa que requer paciência. O trânsito é lento porque há muitos cruzamentos e semáforos que demoram uma eternidade para abrir. Todavia, é organizado e pacífico. Aqui, ao contrário do Brasil, não existe gente andando na contra-mão, cruzando o sinal vermelho, estacionando em fila dupla ou sobre a calçada, trafegando em excesso de velocidade ou parando sobre a faixa de pedestres. Civilidade de primeiro mundo.

Utrecht é uma cidade bem pequena. É muito fácil chegar a qualquer lugar de bicicleta. Todos aqui têm uma, até quem tem carro. É comum ver ciclistas por toda parte e é como me locomovo aqui. Há faixas exclusivas para ciclistas em todas as ruas.

Estou temporariamente acomodado no apartamento de meu chefe holandês, que está vazio porque ele mora na Alemanha. Não é propriamente um apartamento como se conhece no Brasil, que fica num edifício — edifícios na Holanda são predominantemente comerciais. As pessoas aqui moram em casas, geralmente de dois andares, e é comum que cada andar na verdade seja uma casa diferente.

Na minha, moro eu no andar de baixo e quatro moças estudantes no de cima. A cozinha e o chuveiro são comuns a todos. Detalhe interessante: aqui, sanitário e chuveiro não ficam no mesmo ambiente. Por um lado é bom, pois permite que duas pessoas façam coisas diferentes sem que uma tenha que esperar pela outra.

A convivência com os holandeses está sendo interessante. Nos primeiros dias fiquei sabendo que a imagem dos brasileiros aqui não é boa. O Brasil geralmente é visto como um país de governo corrupto, de matadores de crianças e de índios. Acho divertida a reação das pessoas ao saberem que sou brasileiro (elas geralmente sorriem, surpresas), pois além da aparência similar à deles não tenho um pires enfiado no lábio inferior.

* No fim da década de 1990 apenas os computadores Macintosh dispunham dessa tecnologia para uso leigo e até aquele momento não havia no mundo outro sistema que tirasse vantagem dela no ensino de idiomas.

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