Publicado em 1 de janeiro de 2007 e atualizado em 28 de fevereiro de 2024
Embora o trabalho em Pelotas seja edificante e gratificante, devo confessar: tornou-se muito difícil ultimamente. Em relação ao mês passado, nossa produtividade despencou. Há momentos em que desanimo diante das dificuldades representadas por famílias prontas para o batismo que, de repente, aparecem cheias de problemas que as impedem de ser batizadas: adultério, vícios ocultos, crimes passados, etc.
Conversando com o presidente da missão a respeito, ele disse que nenhum dos missionários que me antecedeu teve vida fácil nesta área. Em sua opinião, Satanás trabalha duro aqui e, se isso acontece, “deve ser por haver algum grande tesouro que ele quer nos esconder a todo custo”. Ouvir isso renovou meu ânimo, pois agora sei exatamente contra o que estou lutando, além de me fazer sentir honrado por ter sido escolhido pelo Senhor para procurar esse tesouro.
Essa teoria se encaixa como uma luva no caso de uma das famílias que tínhamos prontas para o batismo — para variar, adiado também. O motivo são as debochadas críticas feitas por seus próprios familiares, nas quais identifico claramente a ação maligna da mão de Lúcifer. Mas ele não contava comigo! Nossa perseverança está contando pontos preciosos nessa batalha e não deixaremos que essa família especial caia. Eles são caridosos e donos de um grande coração. O Espírito Se manifestou várias vezes com eles. Fizeram por nós um ato de caridade que jamais esquecerei: doaram-nos mantimentos que precisávamos para melhorar nossa alimentação e que não tínhamos como comprar por serem ítens finos e caros. O amor com que o fizeram me tocou às lágrimas. Ofereci ao Senhor minha gratidão pela bênção vinda através deles e pedi-Lhe que nunca, mas nunca mesmo, permita que lhes falte nada em sua casa.
A coisa também não está fácil no caso de outras famílias eleitas que temos. Uma delas, inclusive, está em vias de se dissolver. Nossa meta de batismos para este mês está ameaçada, por isso decidimos jejuar. Decidi também sacrificar nossas metas de palestras para dar mais atenção às famílias que já temos a fim de não deixar que caiam. Alterei nosso trabalho para que fosse mais, posso dizer, preventivo. Tenho me preocupado também em “peneirar” as famílias que temos a fim de não perdermos tempo com as que não darão frutos a curto prazo. Assim, mesmo não atingindo nossas metas, sinto-me em paz com minha mente e meu espírito. Acho que estou no caminho certo.
Houveram dias nos quais voltamos para casa felizes, pois o Espírito nos fortaleceu para lutar contra Lúcifer. Nunca em minha missão havia visto oposição tão feroz! O bode velho está decididamente disposto a destruir nossas famílias eleitas das mais diversas maneiras possíveis. Vejo-o incutindo ira, discórdia e rancor no coração de nossos eleitos, para que, dessa forma, afastem-se do Espírito e percam o tenro testemunho que a muito custo conseguimos que adquirissem.
Mas o que Lúcifer provavelmente não sabe é que, nessa guerra, as experiências que tenho garimpado são as mais maravilhosas possíveis e se revertem em benefício de meu trabalho e das famílias que ensinamos. Jamais senti o Espírito tão junto comigo. Nunca recebi revelações fluindo tão constantemente e força para perseverar até o fim, especialmente depois do jejum feito por essa causa. Graças a nossas muitas orações e jejuns, sinto-me um gigante em poder e autoridade e grande é minha gratidão ao Senhor meu Deus, que dia e noite vela por mim.
É bom me sentir assim protegido, pois a perseguição contra nós está aumentando. Os outros missionários de nosso distrito também estão na mira do inimigo. A forma mais comum de ataque que temos sofrido é ofensas, xingamentos na rua e coisas assim. Nada, porém, comparado aos tempos de Joseph Smith, quando enfrentavam também violência física. A diferença é que, ao que parece, a oposição vai voltar aos moldes daquela época, pois estamos sendo mais e mais pressionados. Mas não me incomodo. É importante e necessário que coisas assim aconteçam.
Em minha última entrevista com o presidente, fiz um relato desses e outros acontecimentos em nosso distrito. Minha conversa com ele foi mais longa que o habitual, mas sua resposta foi surpreendente: “Elder, não se preocupe se suas metas não estão sendo atingidas. Sei que você não as atingiu porque não pôde. Tenho plena confiança em seu trabalho e não me importo se você está aqui ou lá longe. Sei que você faz o que tem que ser feito. Em minha mente jamais passou ou passa a idéia de omissão de sua parte. Então não se preocupe, siga trabalhando de cabeça erguida e continue como está.”
Ainda bem! A semana em que ocorreu a entrevista acima encerrou com apenas sete palestras dadas. Mas as palavras do presidente me serviram de refrigério. Saí da entrevista leve como uma pluma, satisfeito pela sensação de dever cumprido. Numa das reuniões sacramentais do mês, levamos três visitantes e um deles, à saída, proclamou: “Agora ninguém me tira mais daqui”. Os demais comentaram com seus familiares que gostaram muito das reuniões que assistiram. Creio que, no devido tempo, mesmo com a feroz oposição do pai das injustiças, esses darão seus frutos.
Em virtude do treinamento recebido na conferência que foi o motivo dessa entrevista, alterei meu trabalho. Deixei de perder tempo com os “verdes”, aqueles que não darão frutos. Também não bato mais em tantas portas, como vinha fazendo, e estou trabalhando mais com os membros, adotando como lema uma frase dita pelo presidente em seu discurso: “Quem trabalha mais, trabalha com os membros”. Cheguei a um ponto no trabalho em que não pode mais haver incertezas, pois a incerteza também é uma arma do inimigo. Contra ela é preciso angariar poder, que vem através da retidão, que vêm através da obediência.
Essa conferência também teve o propósito de identificar a razão pela qual toda a zona de Pelotas está com seus resultados em baixa — e eu achando que era só meu distrito. Foi programado um jejum coletivo de todos os missionários desta zona para o dia 24 a fim de descobrirmos por qual razão nosso trabalho não está surtindo os resultados esperados.
Apesar de todas as dificuldades, tenho conseguido testificar com o Espírito. Encontramos um espírita, fervoroso defensor da doutrina da reencarnação, que não conseguiu duvidar do testemunho do Espírito quanto à ressurreição. Que doces momentos foram aqueles, quando nossos peitos ardiam ao falar sobre a ressurreição universal e a expiação de Jesus Cristo!
Mas aquele espírita, a exemplo de todas as outras pessoas que temos ensinado, constituem o que chamamos de “campo verde”, que não está pronto para a colheita. Encontrar verdes tornou-se uma entediante rotina. É impressionante como esta área caiu de repente! No mês passado escrevi que estávamos abarrotados de palestras e famílias novas, mas hoje isso não passa de uma vaga lembrança. Há dias nos quais saio de casa pela manhã e só volto tarde da noite porque também preciso dormir. Nesse intervalo, falo do evangelho a muitos, faço contatos com pessoas na rua, fortaleço o testemunho de antigas famílias e busco novas, visito referências de fundo de gaveta obtidas por missionários antigos, tudo na esperança de encontrar algum eleitozinho perdido no meio da multidão.
Sei que estou fazendo minha parte e isso me consola. Mas não posso evitar o desânimo e a frustração. A esse respeito, escrevi uma longa carta ao presidente, na qual desabafei meu desespero nas seguintes palavras:
Se eu fosse mulher, provavelmente estaria escrevendo esta carta em meio a um banho de lágrimas. É exatamente o que gostaria de estar fazendo. Estou triste, desanimado e frustrado com o trabalho aqui. Lutei, suei, batalhei duro mesmo, e nada! Pela oitava semana consecutiva termino sem ter o que um missionário tanto batalha para conseguir. É como se estivesse pondo minhas palestras e famílias novas num saco furado: todas vão embora, sem que eu nem saiba porquê! Quanta oração, jejum, preocupação e tantas coisas mais dedicadas às famílias eleitas que tenho, e nada dá certo. Sinto-me como num barco à deriva em meio a denso nevoeiro. Agora sei o que sentia João Batista ao dizer: “Sou a voz que clama no deserto”.
Não sei se tenho mais palavras para descrever como me sinto, mas quero tranquilizá-lo quanto à minha dedicação. Não pretendo desistir. Sempre lembro de suas alentadoras palavras em nossa última entrevista, dizendo-me que não desanimasse. Não vou. Apenas não posso garantir quando vou batizar novamente. Sei que esta é uma prova decisiva de fé em minha vida, pois se não esperasse batizar não trabalharia. Se lanço a foice é porque espero colher. Estou fraco, mas ainda tenho forças para levar adiante o trabalho aqui em Fragata.
Apesar de estar cheio de mágoa e tristeza no coração, quero que saiba, amado presidente, que sou grato ao Pai Celestial por estar onde estou. Não quero sair daqui até que o Senhor ache que devo. Esta experiência tem feito de mim um ser mais refinado e espiritualmente polido, onde a perseverança e a fé são as principais armas contra o inimigo. Um lado chora, mas o outro se alegra por estar em Fragata, por ter o companheiro que tenho e por tudo o que o Senhor tem feito por mim. Sei que meu propósito aqui não é tanto ensinar e batizar mundos de gente quanto é refinar e desenvolver minha fé para a vida e a exaltação.
Por favor, presidente, ore por meu distrito e por mim. Todos aqui precisamos de incentivo e apoio. Estamos numa canoa furada remando contra a maré em noite de tempestade. Mas o barco não vai afundar. Não enquanto eu estiver aqui.
Sem querer me exaltar, esta é uma área para valentes. Aqui estou aprendendo a ser um. Isso me faz lembrar de um dito popular comum na Igreja: “Ore como se tudo dependesse de Deus e trabalhe como se tudo dependesse de você”.