Todos somos seitas — ateus inclusive

Publicado em 10 de dezembro de 2015 e atualizado em 12 de fevereiro de 2024

Há alguns dias tropecei no artigo de um ateu que, em seu mal disfarçado afã de criticar religiões, referiu-se pejorativamente a uma delas como sendo uma seita.

Muito embora eu já esteja vacinado contra essa rotineira falta de respeito pela fé alheia, decidi escrever este artigo para facilitar as coisas quando for preciso esclarecer alguém quanto ao uso equivocado do termo “seita”.

Dirijo-me primeiro a uma certa classe de ateus (não todos, só alguns) que se orgulha de seu racionalismo e ignora o fato de que a fé também é racional. Esses talvez fiquem chocados em descobrir que o ateísmo também é uma seita.

O mesmo vale para religiosos que jogam essa bigorna discriminatória em crenças que não compreendem.

Como se sentiriam aqueles que costuram no credo dos outros uma etiqueta de bizarrice herética ao serem corretamente confrontados com o fato de também pertencerem a uma seita?

Independente da crença de alguns sobre o que “seita” significa, os três mais importantes dicionários da língua portuguesa — Aurélio, Michaelis e Houaiss — definem o termo, com poucas variações, como sendo:

  1. Doutrina ou sistema que diverge da opinião geral e é seguido por muitos.
  2. Conjunto de indivíduos que professam uma mesma ideologia.
  3. Comunidade fechada.
  4. Teoria de um mestre seguida por numerosos prosélitos.
  5. Facção, dissidência, partido.

Pelos critérios 1 e 2, o ateísmo é uma seita. Os ateus congregam-se na fé na inexistência de Deus. O fato de não crerem Nele não deixa de ser uma crença: a de que Ele não existe.

Pelos critérios 1, 2 e 5, os evangélicos são uma seita. O protestantismo teve origem na reforma de Martinho Lutero, que era um sacerdote católico. Ele era contra o conceito católico de que a liberdade da punição de Deus sobre o pecado poderia ser comprada. Escreveu 95 teses com as quais confrontou o vendedor de indulgências Johann Tetzel em 1517. Sua recusa em retirar seus escritos a pedido do Papa Leão X em 1520 e do Imperador Carlos V na Dieta de Worms em 1521 resultou em sua excomunhão pelo papa e em condenação como um fora-da-lei pelo imperador do Sacro Império Romano. Todas as religiões protestantes advindas daí são seitas do catolicismo romano.

O próprio catolicismo também é uma seita pelos critérios 1 e 2.

Virtualmente todas as religiões — inclusive a fé dos Santos dos Últimos Dias, que é a minha — ou grupos agregados em torno de uma ideologia, religiosa ou não, se encaixam em um ou mais desses critérios, portanto também são seitas.

Então por que você rotula a crença do outro como seita se a sua também é?

A única razão lógica que justifica carimbar a fé de outrem com o mesmo carimbo que cabe à deles próprios é o orgulho e a falta de respeito, duas “virtudes” opostas ao achar-se esclarecido que essas pessoas tentam fazer parecer que são.

Foi esse tipo de atitude que Jesus condenou ao dizer:

Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido hão de medir a vós. E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho; e eis uma trave no teu olho? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás claramente para tirar o argueiro do olho do teu irmão. (Mateus 7:1-5, destaques meus.)

Que todos sigamos a regra de ouro: tratar os outros com a mesma consideração e respeito com que queremos ser tratados.

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